segunda-feira, 4 de abril de 2011

Déjà VU

Os cachorros latindo na rua, os gritos daqueles que buscam, de alguma forma, acordar Deus para que ouça suas preces, o barulho dos carros desacelerando pra fazer a curva, um ou outro bêbado esquecido na rua conversando consigo mesmo em alguma língua estranha, a TV jorrando imagens em sua mente. E tudo que ela tinha era metade de um comprimido amarelo, um lenitivo para a dor naquela noite vazia.

Uma dor dilacerante invadia sua alma, a dor de se sentir perdida diante de rostos estranhos, vivendo uma vida que não era dela. Definitivamente Lilith não se enquadrava em nenhum dos papéis que vivia naquela sociedade decadente.

Na manhã seguinte, seu corpo ainda se recusaria a sair da cama. O melhor momento do seu dia era quando se entregava ao mundo dos sonhos, libertando-se  daquele corpo insignificante a que se via presa. E se via livre contemplando o universo, se deparando consigo mesma.

A cada noite surgia uma oportunidade de se recompor para reviver os mesmos ‘novos papéis’, tentativas frustradas a cada pôr do sol. 

Outro dia começa com uma infinidade de planos que a conduz para a mesma dor do amanhecer,  tal qual Prometheus que tinha seu fígado regenerado durante a noite, para ser novamente devorado por uma Águia ao amanhecer. Ou quem sabe Sísifo, que semelhante a Prometheus, empurrava eternamente uma pedra ladeira acima, que ao atingir o topo, rolava novamente para baixo e o ciclo recomeçava.

As alegrias são, na verdade, para Lilith, migalhas jogadas ao vento e apanhadas do chão, numa infeliz tentativa de reviver sensações, fantasias, momentos de luz. O êxtase, o prazer e a felicidade parecem reais quando as percebe refletidas nos olhos das pessoas, porém, naquela vida medíocre a que esta condenada tais sensações não passam de um Déjà Vu. Ela sabe que viveu aquilo em algum momento sombrio do passado, mas nesse  ‘hoje’, a solidão e o vazio imperam em todo o seu ser que busca desesperadamente uma saída para a ausência de vida em sua vida.

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